Durante décadas, a aquisição de máquinas industriais seguiu a mesma lógica: investimento robusto, depreciação contábil e um longo ciclo de propriedade. Esse modelo, ancorado em custos fixos e imobilização de capital, agora encontra um concorrente à altura — e não estamos falando apenas de inovação tecnológica, mas de uma mudança radical na forma de pensar o negócio. Estamos falando do Machinery as a Service, ou simplesmente, MaaS.
Esse modelo transforma a relação das indústrias com seus ativos produtivos. Em vez de comprar, manter e depreciar, empresas passam a pagar pelo uso das máquinas, seja por tempo de operação, desempenho entregue ou volume produzido. A lógica é semelhante à que já conhecemos nos serviços de software (Software as a Service – SaaS): elimina o investimento inicial e dá lugar a uma estrutura de custos operacionais variáveis, mais ajustada ao fluxo real de caixa.
Esse é o tipo de mudança que não se limita à contabilidade. Ela impacta o chão de fábrica, a engenharia de produção, a estratégia de manutenção e até o papel dos fornecedores de máquinas, que passam a ser também prestadores de serviço.
MaaS e a virada do CAPEX para o OPEX
Na prática, o MaaS substitui o tradicional investimento em máquinas (CAPEX) por custos operacionais recorrentes (OPEX). Isso dá às empresas um fôlego financeiro importante, principalmente em contextos voláteis ou com margens pressionadas. Em vez de imobilizar milhões em uma máquina, a indústria pode pagar pelo que usar — e apenas quando usar.
Além de ser financeiramente atrativo, o modelo reduz riscos. Se uma nova tecnologia surgir ou se a demanda cair, o negócio não fica preso a um equipamento obsoleto ou ocioso. MaaS permite flexibilidade e escalabilidade, duas palavras que vêm ganhando força no vocabulário de gestores industriais nos últimos anos.
As tecnologias que tornam isso possível
A ideia de “alugar” máquinas conforme o uso não é nova. O que mudou foi a capacidade de monitorar, medir e faturar esse uso em tempo real — e isso só se tornou possível graças a um ecossistema tecnológico baseado em conectividade, sensores e análise de dados.
A base disso está na Internet das Coisas (IoT) e na conectividade industrial. Máquinas modernas são equipadas com sensores que coletam dados em tempo real: horas de operação, consumo energético, falhas, ciclos executados, temperatura, vibração e muito mais. Esses dados são enviados para plataformas na nuvem, onde são analisados por algoritmos que preveem falhas, recomendam manutenções e calculam a performance entregue.
Com esse nível de controle, o fornecedor pode oferecer contratos inteligentes, atrelados à disponibilidade, produtividade ou eficiência energética. E o cliente, por sua vez, sabe exatamente o que está pagando — e o que está recebendo.
Benefícios reais para as indústrias
A adesão ao modelo MaaS traz uma série de vantagens estratégicas. A primeira, como vimos, é a otimização financeira: menor desembolso inicial, previsibilidade de custos e liberdade para investir em outras frentes.
A segunda é o acesso contínuo a tecnologia de ponta. Em vez de comprar uma máquina que pode ficar defasada em cinco anos, o cliente passa a contar com atualizações contínuas. O fornecedor tem interesse direto em manter o equipamento em estado ótimo — afinal, sua remuneração depende disso.
Outro benefício importante é a redução de paradas não planejadas. Com manutenção preditiva baseada em dados, é possível antecipar falhas e agir antes que elas impactem a produção. O resultado é um aumento significativo na disponibilidade e na confiabilidade dos ativos.
Exemplos práticos de aplicação
O modelo MaaS já vem sendo adotado por empresas líderes em setores como automotivo, bens de consumo, embalagens, metalurgia e mineração. Um bom exemplo é a Atlas Copco, que passou a oferecer ar comprimido como serviço — em vez de vender compressores, ela garante a entrega de ar com disponibilidade máxima, assumindo toda a gestão do sistema.
Outro caso emblemático é o da fabricante chinesa XCMG. Com uma base de mais de 460 mil equipamentos conectados, a empresa oferece relatórios detalhados sobre uso, eficiência e condições operacionais. Isso permite aos clientes tomar decisões rápidas e baseadas em dados, além de fortalecer os vínculos com o fornecedor.
Os desafios do modelo MaaS
Apesar de promissor, o MaaS não é isento de obstáculos. Para começar, ele exige uma mudança cultural significativa — tanto por parte dos fabricantes quanto dos clientes. A ideia de “não ser dono da máquina” ainda é um ponto sensível para muitos gestores industriais, especialmente em empresas mais tradicionais.
Além disso, o modelo demanda infraestrutura digital robusta. Nem todas as fábricas estão preparadas para coletar, transmitir e processar grandes volumes de dados em tempo real. Sem essa base, o MaaS perde sua vantagem.
Outro ponto crítico está na precificação dos contratos. É preciso encontrar um equilíbrio entre risco e retorno, considerando variações na produção, sazonalidade e desempenho real da máquina. Muitos OEMs estão aprendendo a lidar com isso agora, adotando modelos híbridos ou contratos-piloto antes de expandir a oferta.
Um novo papel para os fornecedores de máquinas
O MaaS transforma o fabricante de máquina em provedor de soluções. Em vez de uma venda pontual, o relacionamento com o cliente passa a ser contínuo, com foco em resultado e performance.
Isso requer uma mudança profunda na estrutura das empresas fornecedoras: é preciso ter equipes dedicadas à análise de dados, suporte remoto, manutenção preditiva e desenvolvimento de contratos baseados em indicadores de desempenho. A venda deixa de ser o fim do processo — e passa a ser apenas o começo.
O futuro das máquinas está nos serviços
Projeções apontam que, até 2030, a maior parte das máquinas será vendida como parte de pacotes de serviços. A venda isolada de equipamentos perderá espaço para modelos que integram hardware, software e inteligência analítica.
O avanço da manufatura inteligente (Smart Manufacturing) e da indústria 4.0 só reforça essa tendência. O MaaS se encaixa perfeitamente nesse cenário, pois oferece dados, previsibilidade, escalabilidade e eficiência — elementos centrais da nova lógica industrial.
Empresas que souberem navegar por essa transição terão vantagens competitivas duradouras. E quem chegar primeiro, além de aprender mais rápido, tende a ocupar posições estratégicas na cadeia de valor.